Na noite desta quinta-feira (6), o historiador, pesquisador e escritor Toni Jochem, participou da Tribuna do Povo durante a 26ª Sessão Ordinária de 2019, onde explanou sobre o Contexto Histórico da Festa do Divino Espírito Santo, que chega a sua 165ª edição neste ano.
Confira o texto trazido por Toni na íntegra:
“A Festa do Divino movimenta a cidade e a vida seus habitantes. Há anos ela me inquieta e estimula na busca constante do conhecimento de suas especificidades. É envolvente, encanta e desafia. Reveste de importância seus devotos e a cidade que a promove. Estimula e realça laços de sociabilidades: leiga, religiosa, política, social e familiar.
Assim, podemos afirmar, que a Festa do Divino é dos devotos que a promovem com alegria em seu louvor.
Podendo ser entendida como um complexo filosófico-teológico medieval o qual, no Vale do Cubatão, está presente desde 1854; portanto, há 165 anos. Foi instituída em 29.05.1854 juntamente com a criação da Paróquia e da Freguesia.
A sua instituição, tal como a conhecemos hoje em Santo Amaro, nos remete a Portugal e ao ano de 1296. Faz 723 anos em 2019.
Mas, antes de Portugal a Festa do Divino, ou Festa de Pentecostes, já existia na Itália, na Alemanha e na França, enquanto culto ao Espírito Santo, estando ligadas ao exercício da caridade aos mais necessitados. É muito provável que a Festa do Divino tenha raízes nas remotas festividades das colheitas, em antigas culturas, entre israelitas e hebreus.
Em Portugal – a partir de 1296 – a Festa foi se formatando tal como a conhecemos. A tradição credita à cidade de Alenquer – nas proximidades de Lisboa – como seu berço, e aos presumíveis anos 1321/1323/1330 ou 1336 como data de sua instituição, o que não obteve ainda o consenso entre os que se dedicam ao tema.
Mas a sua oficialização e introdução no rito litúrgico da igreja católica não tardou a se tornar realidade. Merecem destaque as ideias sobre o Espírito Santo do monge cisterciense Joaquim de Fiore e a atuação dos franciscanos de tendência espiritual. Eles muito têm contribuído neste processo ao preconizar o advento do Tempo do Espírito Santo... com um Tempo peculiar de pobreza evangélica e de amor fraterno.
Foi lá, em Alenquer, que a Rainha Isabel, esposa de Dom Dinis, rei de Portugal, fundou uma igreja e a dedicou ao Divino Espírito Santo de quem era grande devota.
Creditada, portanto, ao Reino de Dom Dinis, em Portugal, a instituição da Festa do Divino é obra da Rainha Isabel em cumprimento a uma promessa, que consistia em oferecer uma ampla distribuição de alimentos aos pobres, em forma de banquetes coletivos, designados de “Bodo”, pela paz que voltou a reinar na família real. A Rainha Isabel foi beatificada em 1516 e canonizada em 1625. É conhecida por Santa Isabel.
Mas, outra versão a complementa ao afirmar que, a guerra envolvia a família real, pois Dom Dinis estava em luta aberta com seu filho, o infante Dom Afonso.
As preces, os pedidos da Rainha Isabel foram atendidos e a paz tornou-se uma realidade na família real.
Em forma de agradecimento, ela doou sua coroa a uma Igreja, manifestando seu desejo de que anualmente fossem dedicadas renovadas ações de graças ao Espírito Santo. Retomando, assim, os ideais do anunciado tempo de paz e de justiça. O tempo do Espírito Santo. O Novo Tempo.
Assim que a PAZ voltou a reinar na família real portuguesa após confrontos entre o Rei Dom Dinis com seu filho Dom Afonso, motivados pela sucessão real, a Rainha Isabel, teria promovido e participado pessoalmente – juntamente com toda a corte – de solenidades litúrgicas no dia de Pentecostes oferecendo, na ocasião, como ex-voto, sua própria coroa e cetro ao Divino Espírito Santo.
De acordo com esta segunda versão – mas há outras – a Festa do Divino se consiste essencialmente na CELEBRAÇÃO DA PAZ, ou seja, DO PAGAMENTO DE UMA PROMESSA PELA PAZ QUE FOI ALCANÇADA. E a Festa – uma vez instituída – rapidamente se consolidou e se propagou em Portugal.
Esta celebração ultrapassou os anos, as décadas, os séculos e os continentes. De Portugal acompanhou os portugueses nos descobrimentos, principalmente nos Açores, Índia e Brasil, depois chegou aos EUA, ao Canadá e outras partes do mundo, em cujos países ganhou popularidade e prestígio.
Passados mais de 700 anos, são diversos os Estados do Brasil em que a Festa do Divino se faz presente. Em Santa Catarina muitos são os municípios que, anualmente, promovem a Festa em louvor ao Divino Espírito Santo repetindo a tradição portuguesa que remete a 1296.
FESTAS DO DIVINO NA GRANDE FLORIANÓPOLIS
E IMEDIAÇÕES
Nº
CIDADE
INSTITUÍDA EM
ANOS - 2019
01
Santo Amaro
1854
165
02
Palhoça
1890
129
03
Enseada do Brito
1750
269
04
Vila Nova-Imbituba
1752
267
05
São José
1850
169
06
Florianópolis
1777
242
Fonte: Levantamento realizado pelo historiador Toni Jochem.
E, por ser instituída por rei/rainha – num ambiente real – os festejos conservam aspectos da realeza até os dias de hoje: império, corte, coroa, cetro, cortejos, missas, coroações, partilhas e confraternizações. É uma festa de época que remonta ao início do século 14.
A Festa do divino é um evento eminentemente popular. E teve e talvez ainda tenha, na comensalidade (ou seja, na mesa farta, na abundância de alimentos) um de seus importantes aspectos. Outro aspecto marcante desde a sua instituição é que a Festa do Divino – porque essencialmente popular – foi mantida com recursos obtidos por meio de subscrição.
Mas houve mudanças ao longo dos 165 anos da existência da Festa do Divino nesta cidade. A Festa teve que se adequar às exigências da Igreja. E esta adequação nem sempre foi consensual e pacífica. Foi uma fase difícil... A mencionada adequação teve por objetivo evitar desordens e outros atentados à dignidade da Igreja Católica, assim entendidos diante do processo de romanização, sob a coordenação da então Diocese de Florianópolis, hoje Arquidiocese.
Hoje são diversos os Estados do Brasil que realizam a Festa do Divino. E neles, nas cidades que a promovem, a Festa tem suas especificidades próprias – ritualística e cultural, além de um núcleo comum.
Aqui, em nossa cidade, a Festa do Divino define e reforça identidade e esforços coletivos movimentando religiosamente a sociedade nas proximidades de Pentecostes. Realça o sentimento de pertença, de comunidade, de partilha e de confraternização entre os paroquianos e visitantes como importante expressão religiosa.
As “Massas do Divino”, ou “Massas da Promessa”, trazem consigo uma ímpar riqueza religiosa. As novenas (com sua cantoria, leilões e partilha/confraternização) – mais de 60 ao longo de sete semanas – são fenômenos de fé, de devoção e de sociabilidade de nosso povo. São momentos únicos de pedir e, sobretudo, de agradecer ao Divino Espírito Santo.
Não é possível imaginar a Festa do Divino sem a realização das atuais novenas as quais tem sucedido às antigas Folias do Divino. Elas motivam, despertam e promovem a Festa tal como foi formatada aos longos das décadas.
Da Páscoa até Pentecostes, durante sete semanas, nosso povo evidencia seu DNA da fé: respira tradição, devoção e religiosidade no que podemos oficialmente denominar de CICLO DO DIVINO. De casa em casa, de bairro em bairro, de loja em loja o Divino, através de sua bandeira, visitou a todos e deixou sua mensagem de paz, de fé e de fraternidade.
E este CICLO DO DIVINO, segundo meu entendimento, é digno de tombamento enquanto relevante manifestação do patrimônio imaterial de cunho religioso. Há 165 anos!
Que venha a 165ª (centésima sexagésima quinta) edição da FESTA DO DIVINO, de 07 a 10 de junho de 2019.
Senhor Presidente, todos estamos convidados a participar da Festa, celebrar a Paz no Dia de Pentecostes assim como fez a Rainha Santa Isabel e sua corte real em Portugal, no início do século 14. A ela – Rainha Santa Isabel, nascida em 1271 e falecida em 1336 – rendo homenagens nesta noite pela sua importante e decisiva participação na formatação da Festa do Divino, tal qual como nós a conhecemos e promovemos, há 165 anos.”
O vídeo da Tribuna pode ser visualizado no Canal Oficial da Câmara no YouTube.
Texto: Toni Jochem
Fotos: Assessoria de Imprensa da Câmara | Bruno Vieira Fotografia